domingo, 23 de novembro de 2008

LUCÍOLA: O AMOR COMO FORÇA REDENTORA

Maria Simone Araújo Luz


RESUMO

José Martiniano de Alencar é um ícone para grandes reflexões sobre a cultura brasileira, em especial a do século XIX e, ao tratar a questão da prostituta, em Lucíola, revelou alguns aspectos da vida urbana, dando ênfase aos aspectos relacionados à sociedade e seus preconceitos e, ao amor como instrumento de redenção.

PALAVRAS-CHAVE

Prostituta – preconceito – sociedade – amor

INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda a questão da prostituição, em Lucíola, e os artifícios utilizados por Alencar, ao moldar uma prostituta como protagonista, tendo em vista o modelo de sociedade que era regida pelo sistema patriarcal, com valores restritos voltados apenas para os interesses masculinos e pela igreja católica, a qual pregava que o sexo só deverá acontecer dentro do casamento.

LUCIOLA: O AMOR COMO FORÇA REDENTORA

A obra Lucíola insere-se no romance urbano, visto que José de Alencar apresenta uma forte percepção da realidade social e, como afirma Afrânio Coutinho (1999, p. 261) “a intriga desses romances, como é natural, gira em torno do problema do amor; ou, para ser mais exato, em torno da situação familiar da mulher, em face do casamento e do amor”.
No caso de Lucíola, percebe-se que a obra gira em torno do amor que Paulo sente por Lúcia desde a primeira vez que a vê:

Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância. O vestido que o moldava era cinzento com orlas de veludo castanho [...]. Ressumbrava na sua muda contemporânea doce melancia e não sei que laivos de tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno na mimosa aparição. (ALENCAR, 2005, p. 08.)

Mas a posição da sociedade diante da figura de Lúcia é cruel e preconceituosa:

Essas borboletas são como as outras, Paulo, quando lhes dão asas, voam, e é bem difícil então apanhá-las. O verdadeiro, acredita-me, é deixá-las arrastarem-se pelo chão no estado de larvas. A Lúcia é a mais alegre companheira que pode haver por uma noite, ou mesmo alguns dias de extravagância. (ALENCAR, 2005, p. 13).

Com esse fragmento fica perceptível as intenções que a sociedade tem para com as prostitutas, fica claro que para essa sociedade os homens não devem levar a sério nenhuma cortesã, deve apenas usá-las por uma noite, ou alguns dias, como se elas não fossem capazes de amar verdadeiramente.
Tendo em vista estes aspectos, Alencar conseguiu dar um salto bem importante ao permitir que uma prostituta tivesse o direito de amar e ser amada, e, é importante salientar que a idealização romântica é o traço principal que insere esse grande autor na prosa romanesca. Conforme assinala Alfredo Bosi (1994, p. 139),

Alencar crê nas razões do coração, e, se as sombras do seu moralismo romântico se alongam sobre as mazelas de um mundo antinatural (o casamento por dinheiro em Senhora; a sina da prostituição em Lucíola), sempre se salva no foro íntimo, a dignidade última dos protagonistas, e se redimem a transações vis respondo de pé herói e heroína.

Quando Lúcia conta para Paulo como ela entrou naquela vida, percebe-se que foram as circunstâncias que a colocaram naquela situação, fruto de uma sociedade incapaz de perdoar um ato impensado, considerando impura a mulher que tivesse relação antes do casamento, onde o pai ao tomar conhecimento da forma como Lúcia adquiriu o dinheiro expulsa-a.

A minha felicidade estava destruída; cuidei que não havia maior infâmia do que a minha. Resolvi viver para tranqüilidade e ventura de uma família inocente da minha culpa. Quinze dias depois de expulsa por meu era pai o que fui. (ALENCAR, 2005, p. 77).

A sociedade julga as prostitutas e, muitas vezes julga erroneamente, não procuram saber as conseqüências que levaram elas a praticarem certas atitudes, em vez de estender a mão e guiar depois de um ato impensado, lança as mesmas para o precipício, a fim de conservar a moral e a dignidade da família, como fez o pai de Lúcia.

Por isso, José de Alencar não se limitou aos valores da sociedade e mesmo denunciando os sentimentos de repúdio que a sociedade tem para com as prostitutas, ele coroa uma cortesã como uma heroína bem ao gosto romântico, protagonista essa que muda de comportamento para viver feliz ao lado de Paulo e torna-se dependente do amor de Paulo e quando estava morrendo devido o fruto do amor dos dois diz:

- Tu me purificaste ungindo-me com os teus lábios. Tu me santificaste com o teu primeiro olhar! Nesse momento Deus sorriu e o consócio de nossas almas se fez no seio do Criador. Fui tua esposa no céu! E contudo essa palavra divina do amor, minha boca não a devia profanar, enquanto viva. Ela será meu último suspiro (ALENCAR, 2005, p. 87).

Por conseqüência do amor, Lúcia morreu, no entanto, foi esse amor que permitiu a redenção da mesma.
No final da narrativa, Paulo diz sentir falta de Lúcia.

Há seis anos que ela me deixou, mas eu recebi a sua alma, que me acompanhará eternamente. Tenho-a tão viva e presente no meu coração, como se ainda a visse reclinar-se meiga para mim. Há dias no ano e horas no dia que ela sagrou com a sua memória, e lhe pertence exclusivamente. (ALENCAR, 2005, P. 88).

Esse fragmento é a prova inequívoca que Paulo amou Lúcia, e é esse amor almejado pelos românticos, um amor que não se esgota com a distância, com o preconceito e até mesmo com a morte, pois embora ele não veja Lúcia, mas a lembrança dela permanece viva em seu coração.

CONCLUSÃO

Sob essa visão alencariana de crítica às contradições da sociedade e do ser humano, constrói-se a figura da protagonista do romance Lucíola, mas o perfil de mulher encontrado na obra não é aceito pela sociedade vigente, sendo assim, a morte da personagem Lúcia foi a solução encontrada por Alencar para que a mesma pudesse obter a redenção.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, José de: Lucíola. São Paulo: DCL, 2005.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 34. Ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 5 ed. São Paulo: Global, 1999.

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