domingo, 23 de novembro de 2008

Senhora: Conquista de espaço da mulher do século XIX

Maria Ronilsa de Moura Sousa[1]


Resumo

A construção de Aurélia, no livro Senhora, é um desafio lançando pelo autor José de Alencar a uma sociedade crítica, isso levando em conta a posição onde as mulheres eram postas na sociedade do século XIX, diante dos costumes em que os casamentos aconteciam legitimamente como um mercado matrimonial. Trata-se de um romance romântico publicado no século XIX, denominado romance urbano. O autor caracteriza Aurélia Camargo como uma verdadeira mulher moderna, ou seja, contemporânea.
Palavras-Chaves:

Romantismo, amor, interesse, elevação da mulher.

Antes do desenvolver os detalhes da obra é importante entendermos um pouco do movimento romântico, definido por Antônio Coutinho (1999, p 5) como: “movimento que consistiu numa transformação estética e poética desenvolvida em oposição a tradição neoclássica setecentista, e inspiradas nos modelos medievais (...) traduzido num estilo de vida e de arte que dominou a civilização ocidental”.

É importante observar os fatos ao contexto que contribuíram para a formação do Romantismo no Brasil, como um dos destaques, a prosa literária brasileira que deu início a quase todos os romances importantes no século XIX no Brasil.

José de Alencar destacou-se como o mais importante prosador em nosso Romantismo. Nos seus romances sociais ele revela seu talento, fazendo estudo de certas figuras femininas, dentre as quais vou dar ênfase a Aurélia Camargo (em Senhora). Este artigo tem o objetivo de mostrar como Alencar a constrói. Ela é dotada de uma beleza exuberante e de personalidade de ferro, com uma coragem para enfrentar os preconceitos da época.

O romance narra uma trajetória de vida de mulher que diante das circunstâncias vividas, calcula muito bem suas decisões e não mede esforços para conseguir o que quer. Segundo Afrânio Coutinho (1999, p. 262):

Dentro da boa tradição romântica, as heroínas de Alencar protestam contra o casamento por convivência, fruto de uma sociedade autoritária incompreensiva, da qual era necessário, fugir, evadir-se em busca do mundo íntimo que cada romântico deve levar em si. Esse protesto embora revestido muita vez feito diferente é sempre talhado sob a inspiração do amor ideal, e vale como proclamação dos direitos que tem a mulher ao amor e a liberdade.


Aurélia vive no desenrolar da história, dois estilos de vidas completamente diferentes. Durante a fase da infância e boa parte da adolescência sente na pele a verdadeira pobreza e, de repente, a de ser rica a ponto de não ter que se preocupar com questão de dinheiro até o resto de sua vida.

Toda a história acontece debaixo do céu fluminense, sob pressão de uma sociedade burguesa, tendo como principal característica o interesse. Aurélio Camargo e Fernando Seixas, personagens centrais do romance, ambos têm em comum suas histórias de vida.

Os dois órfãos, de famílias provindas de dinheiro, mas de maneiras diferentes de encarar a vida. Enquanto Seixas apoiado pela família vivia o contraste do ser para o ter, como podemos notar na narrativa, “partilhando com a mãe e os irmãos a pobreza herdada, tinha na sociedade onde parecia sobre si, a representação de um moço rico”. (ALENCAR, 1999, p. 41)

Vivia no luxo pessoal que era privilégio de pousos associava-se a pessoas cultas e trabalhava-se no jornal. Enquanto que Aurélia se conformava com sua vida simples, e preocupava-se com o bem estar da família.



Os arranjos domésticos, mais escassos na casa do pobre, porém de outro lado mais difíceis, o cuidado da roupa, a conta das compras diárias, as contas do Emílio e outros mistires, tomavam-lhe uma parte do dia; a outra porém ia-se em trabalhos de costura. (ALENCAR, 1999, p. 83)



Alencar já iniciou a obra elevando Aurélia como “a mais nova rainha dos bailes da época, a nova estrela fluminense”, (Alencar, 1999 p.17) características que só poderiam vir de um autor romântico, visto que em obras romântica é comum aos autores idealizarem demais seus personagens.

Depois de receber uma herança do avô paterno, Aurélia começa por comprar um marido, Fernandes Seixas, por cem contos, mesmo depois de ter sido trocada quando pobre por outra, Adelaide Amaral que tinha como proposta de dote trinta contos. Seixas tem forte influências na obra, o autor o descreve, no principio, como alguém de personalidade fraca, deixando-se influenciar, além do normal, por luxos, a ponto de não se imaginar sem.



Formou-se pois Seixas nesta convicção que o luxo era não porfia infalível de uma ambição nobre, como o senhor único da felicidade de sua família. Assim dissiparam-se os seus escrúpulos (Alencar, 1999, p. 45)


Aurélia, ao contrario dele, tanto na vida pobre como na rica, é desprendida dos bens materiais. Depois de casados, ela serve de forte influência para que Seixas faça sua mudança.


No quinto dia Seixas apresentou-se na repartição onde foi muito festejado por suas prosperidades. Tomaram os companheiros aquele pronto comparecimento por uma mera visita. Se quando pobre, sua freqüência somente se fazia sentir no livro do ponto agora que estava rico ou quase milionário, com certeza deixaria o emprego ou quando muito o conservaria honorariamente como certos enxertos da Secretária.
Grande foi, pois a surpresa que produziu a assiduidade de Seixas na repartição. Entrava pontualmente às 9 horas da manhã e saia às 3 da tarde; todo esse tempo dedicava ao trabalho, apesar das continuas tentações dos companheiros, não consumia como costumava outrora a maior parte dele na palestra e no fumatório.
(Alencar, 1999, p.131)


E como principal prova do desapego de bens materiais, no desfecho da obra, Aurélia faz um testamento, deixando tudo para o Seixas. E ele mesmo, antes de saber já havia reconhecido toda essa influência que ela havia tido sobre ele.

Aurélia, desde o começo, nunca negou o seu amor a Seixas, e ele, por sua vez, não era diferente dela, apesar de haver nele uma fraqueza quando sentia-se tentado pelo luxo. É interessante observar que ela, mesmo sendo rica, inteligente e linda, poderia casar-se com qualquer rapaz de igual fortuna, mas ao contrario quis o Seixas.

A história dos dois mostra que o amor supera tudo, ela, mesmo com toda riqueza coloca o amor de Seixas como prioridade e sem ele nada lhe serviria as demais coisas.

O desafio pelo autor à sociedade crítica, ante de causar impacto maior só no desfecho da história tudo volta ao seu lugar, o autor organiza os personagens segundo os padrões sociais, enquanto que no decorrer da trama, Aurélia foi colocada de maneira a desafiar a autoridade do homem, até por ser posta ao lado de homens interesseiros.



Convencida que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.
Assim costumava ela indicar o merecimento relativo a cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário. Em linguagem financeira, Aurélia colocava seus adoradores pelo preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial.
(Alencar, 1999, p.19)


Também não teve os melhores exemplos de pai, que foi covarde, não assumindo a família, teve um marido comprado, sem falar no seu irmão Emilio que foi incapaz de segurar o emprego sozinho.


O Emílio, que podia ser o Amparo natural da irmã, quando viesse a faltar-lhe a mãe, não estava infelizmente nas condições de receber o difícil encargo. Ao caráter irresoluto do pai, juntava ele um espírito curto e tardio. Apesar de haver freqüentado os melhores colégios, achava-se aos dezoito anos tão atrasado como um menino de regular inteligência e aplicação aos doze anos. (Alencar, 1999, p.82)


Como conclusão da história, Aurélia ocupa lugar da esposa, de senhora.


- Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando e Suplico-te que aceites meu amor este amor que nunca deixou de ser teu, ainda quando mais cruelmente ofendia-te...
Aquela que te humilhou aqui, tens obtida, no mesmo lugar onde ultrajou-te, nas iras de sua paixão. Aqui a tens implorando seu perdão e feliz por que te adora como senhor de sua alma.
(Alencar, 1999, p.19)


E fica entendido na obra a posição de Seixas como o seu senhor, com as suas respectivas responsabilidades, como ordenava a sociedade da época.



Referências Bibliográficas:

ALENCAR, José de. Senhora. 33 ed. São Paulo: Ática, 1999.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. 5 ed. São Paulo: Global, 1999.

[1] Aluna do Curso de Licenciatura Plena em Letras. Universidade Federal do Piauí – UFPI, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros em Picos-PI.

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